Os últimos tocadores de harmónica do Baixo Alentejo
Armanda Salgado
(Investigadora do CIDEHUS e da CÁTEDRA UNESCO EM PATRIMÓNIO IMATERIAL E SABER-FAZER TRADICIONAL - Universidade de Évora)
Testemunhos recolhidos no concelho de Castro
Verde, em Portugal, dão conta da existência dos tocadores de harmónica no Baixo
Alentejo, desde meados do séc. XIX. Se, outrora, os tocadores de harmónica, gaita de
beiços, simplesmente gaita, ou ainda conhecida por “flaita”[1], animavam os bailes da
região alentejana, funcionando tais eventos como verdadeiros focos culturais
nos sítios e localidades do Baixo Alentejo nos quais tinham lugar, na
atualidade tal já não acontece por inúmeras razões. Na verdade, não só a “arte”
de tocar não foi transmitida para as gerações seguintes, como também a rápida evolução
tecnológica a par com as alterações sociais vividas, nas últimas décadas,
acabaram por conduzir ao desaparecimento dos tocadores de harmónica.
Contudo, foi na região do Campo Branco,
em Aivados[2], no município de Castro Verde
que a arte de tocar harmónica foi relembrada, através da realização de um baile,
no dia 23 de Abril de 2016, animado pelos últimos tocadores de harmónica, Manuel
Florêncio, António Afonso e António Sousa, naturais do concelho de Castro
Verde.
Esta iniciativa foi promovida pelo
Museu da Ruralidade – núcleo da oralidade, em Entradas (município de Castro
Verde)[3], cuja filosofia funciona
em torno de duas referências estruturais: identidade e território. Pois, por um
lado, pretende não só valorizar e dignificar a memória, sem qualquer tipo de
preconceito na abordagem metodológica adotada, como procura, igualmente,
alargar o seu funcionamento ao espaço geográfico de Castro Verde, sem deixar de
contextualizar essa localização na região do Campo Branco.
Na verdade, o Museu da Ruralidade tem conhecido,
nos últimos anos, um processo de crescimento, no qual se destaca a criação, em
2015, do núcleo de Aivados-Aldeia Comunitária”. A especificidade local da
aldeia dos Aivados, onde a propriedade da localidade e os terrenos adjacentes
são pertença da comunidade, desde, pelo menos, meados do século XVI, mas cuja
manutenção de propriedade só foi possível devido a uma oposição forte, por
parte da população, fez com que o museu procurasse abrir este núcleo
museológico com o objetivo de dar a conhecer essa realidade.
Neste sentido, no âmbito da evocação
do dia 20 de abril de 1975, data que marca a recuperação de parte das terras da
comunidade aivadense, usurpadas durante o Estado Novo, teve lugar a atuação dos
tocadores de harmónica, assim como o II Encontro de Poetas populares no centro
de Convívio local, organizado pelo Museu da Ruralidade, com a colaboração da
Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca e também da Associação do Povo de
Aivados.
Ouvir e conhecer os últimos tocadores
de harmónica do Baixo Alentejo, reavivou memórias, deu a conhecer um
saber-fazer que poucos detêm e contribuiu para a dignificação desta
manifestação popular.
O papel do museu da Ruralidade, na
multiplicidade das parcerias técnicas e científicas (por exemplo, Universidade
Nova de Lisboa e Universidade de Évora) em que atua, bem como a integração em
redes distintas (NUOME – Núcleo da Oralidade, memória e Esquecimento, criado no
âmbito do MINOM, Rede de Museus do baixo Alentejo e Rede de Museus Rurais do
Sul) é, desta forma, revelador da preocupação desta unidade museológica em
apresentar-se como uma plataforma de diálogo entre todos os actores envolvidos,
sem esquecer a comunidade na qual está inserido.
[1] OLIVEIRA
DE, Ernesto Veiga (1975). Pequeno guia para a recolha de instrumentos
musicais populares. Disponível em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/cancioneiro/etnografia/ernesto.html.
Acedido a 30-04-2016.
[2] Aivados
é uma pequena aldeia, a 16 quilómetros de Castro Verde, cuja população é
proprietária de um terreno com cerca de 400hectares, onde se encontra instalada
há cerca de 500 anos.
[3] http://museudaruralidade.blogspot.pt/